Revista Polis

Um grande mau conselheiro (às vezes bom)

Dando uma leve pausa no entendimento dos nossos elementos interiores, ou como disse: dominando o leão e educando a quimera (inclusive, peço que me enviem perguntas sobre o tema, caso as tenham, para que eu possa saber se algo posso esclarecer-lhes). Mas hoje gostaria de compartilhar algumas coisas pessoais que têm a ver com o tema, mais especificamente sobre o domar o leão e lidar com a sua característica mais nefasta: o medo.

É o medo, sem dúvida, a força mais paralisante que existe no ser humano, rivalizado apenas com a preguiça, que muitas vezes retira para si toda a atenção que temos disponível para as coisas sãs e coloca-nos numa contemplação da banalidade e das coisas que não têm valor. Lembro-me de uma história da turma da Mônica onde o Cebolinha é representado deitado na grama e ao ser indagado sobre o que fazia, respondia: “estou ouvindo as minhas tlipas tlabalharem”.

Mas a preguiça pode ficar para um outro momento em nossa caminhada, como ela não se mostra, muitas vezes é mais difícil, e requerem-se mais elementos para trabalhar com ela. Sobre o medo, ele tem essa característica quase universal de que ele toma o controle quando bem quer, e muitas vezes ficamos a mercê da sua manifestação ou não para decidir como caminharemos na vida, sendo que, no geral, temos medo das coisas que, se realizarmos nos farão bem, enquanto que não temos medo nenhum de cultivar nossa inércia e, mais ainda, falamos sem vergonha sobre a quantidade de nada que fazemos ou de como deixamos de ajudar aos demais porque temos este ou aquele problema.

Sem querer problematizar demais o assunto, isso não se trata de uma crítica a ninguém, mas de uma observação, pois todos apresentam isso em algum nível e em algum momento, no entanto, querendo nós ou não, vamos precisar aprender a lidar com o medo algum dia. Pois se não, ficaremos como aqueles homens no mito de Perseu, que eram transformados em pedra ante o olhar da Medusa (figura olutamente monstruosa, uma górgona);

mas, com o auxílio de Atena e o seu escudo espelhado, polido pelo herói Perseu, este consegue vencer o monstro. O mito fala, entre tantas outras coisas que podemos ficar paralisado ante o medo, ao ponto de sermos transformados, em pedra, porém, com sabedoria, podemos saber como vencê-lo, não atacando-o diretamente, mas com inteligência, escolhendo o melhor caminho.

Precisamos, antes de tudo, entender que o medo é um aliado pois nos avisa de inúmeros perigos na nossa vida, nos avisa de coisas que podem nos prejudicar e, muitas vezes, podemos reconhecer que algo nos é danoso apenas por vislumbrá-lo rapidamente. Um touro é, certamente, perigoso para nós humanos, no entanto alguém que sabe dominá-lo ou simplesmente relacionar-se com ele não sofre um perigo e pode até mesmo comunicar-se, mas não deixa de ser algo assustador no primeiro olhar. Da mesma maneira, em um cachorro convive uma natureza extremamente dócil e extremamente agressiva, cabe sempre a nós mesmos a capacidade de extrair o que há de melhor deles.

Assim com os animais, assim também conosco… Sempre tive muito medo das pessoas, do público, de estar exposto; quando era criança, perguntavam-se se eu não era mudo já que ficava calado em meio a outros, pelo fato de ter medo de estar em contato com as pessoas, já deixei de apresentar coisas na escola e de participar de trabalhos valendo pontos preciosos simplesmente porquê não queria ser visto, não queria ser lembrado, queria simplesmente passar e observar as coisas. Ironicamente, da natureza observadora, nascem os textos, nasce a poesia e a arte e comecei a escrever e comecei a estudar música, sem nenhuma pretensão, apenas para agradar a mim mesmo. Só que a natureza da criação, da produção, é dar-se ao outro – uma árvore produz frutos não para si mesma, mas os frutos sintetizam o que é uma árvore e carregam consigo o que é a potência inteira de uma nova árvore. Assim, nesse processo, descobri-me sendo um artista e que para a arte tornar-se completa, precisa chegar a outros, estabelecendo assim uma cadeia, uma corrente de comunicação, de laços fraternos de convivência.

Passaram-se os anos, e já não fujo dos palcos ou dos holofotes quando eles aparecem, mas também não me lanço a eles ensandecidamente, compreendo-os como o terminal de um processo e os aceito-os assim, enfrento-os por amor à arte e por tudo aquilo que sei que uma arte pode fazer com aquele que recebe o valor transmitido. Aprendi a ver valor na criação e na transmissão e os encaro com dignidade, ajudo também vários alunos a lidarem com essas coisas, a estarem na frente, a terem essa capacidade de superar-se ante uma limitação e ante a exposição, porque sei o quanto é amargo a dor do remorso, das oportunidades perdidas, da vida não vivida, do que poderia não ter sido. O que passou, passou e muito mais passará, para nós basta dizer que devemos estar totalmente presentes naquilo que temos, que é o nosso maior tesouro; a vida sempre traz-nos oportunidades de recomeço, basta que deixemos de olhar para os nossos medos e olhemos para aquilo que ela usa para se comunicar conosco.

De muitas formas podemos tratar esse assunto, mas de uma maneira muito resumida e sem grandes detalhes, eu diria apenas uma coisa: para lidar com o medo, é necessário sair de nós mesmos e aprendermos a sermos generosos, encarando as consequências disso. Para lidar com ele, é necessário o amor.

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