Revista Polis

Recolhendo pérolas

Poucas vezes pensamos em como as coisas afetam nossa mente. Nos preocupamos com os alimentos que ingerimos, e sabemos que se estamos com dor de barriga é muito provável que seja porque comemos algo ruim. Mas nunca nos ocorre quando estamos chateados, ou com dores emocionais (tristes, desmotivados, desolados), que talvez não estejamos nos alimentando bem nesse aspecto também.

Eis o que a arte pode fazer: alimentar o que em nós não é corpo. Chame o que quiser, alma, sentimento, espírito, metafísico, energia. Em suma, ajudar a aliviar as dores, ajudar a harmonizar essa parte sutil. Você saberá isso se deixar que penetre a harmonia de uma orquestra. Saberá isso se passar tempo o suficiente dentro de um museu, não olhando qualquer composição, mas apreciando aquelas que espelhem a harmonia do mundo. Saberá isso se observar a própria harmonia do mundo, se caminhar por um parque, se observar as árvores e o céu.

Hoje fui a um museu, ao mesmo museu pela segunda vez, e estar lá dentro foi como ser colocado de volta em harmonia, foi como beber água em meio a uma febre, um elemento de limpeza, de renovação. Que maravilha sutil que é a arte, que encanto que é a capacidade de pincelar certas cores em certas formas e de fazê-lo com tanto esmero que o resultado final é uma poesia pintada. Cada obra guardando em si um universo.

Caminhando com meu caderno em mãos, fui mergulhando nesses universos, ou pelo menos naqueles que ressoavam com o meu. Tomei nota. A vida está cheia de perguntas quando prestamos atenção – e mais que isso, a vida está cheia de respostas. Mas há que se estar disposto a isso, aberto a isso. Há várias formas de se viver, e há várias formas de se ir a um museu. Acho que a forma como alguém vai a um museu diz muito sobre a pessoa.

Há gente que não vai a museus, não porque não pode, mas porque não quer, e me foge da imaginação que motivos teriam. Há gente que vai a museus como turista, em cidades estranhas, entra, tira umas fotos, aponta quando reconhece algum artista famoso, compra lembrancinhas. Às vezes é até arrebatado por alguma obra, e se pega realmente interessado, chamado por um sentimento desconhecido. Mas escolhe dar às costas. É só um quadro. E a memória fica inútil, porque não deixa entrar no coração. E isso explica o modo como vivem aqueles que passam distraídos, seguindo as massas sem olhar para onde estão indo, ou de onde vieram, ou quem são. Há gente que procura raridades, ri de expressões estranhas, faz uma crítica ou outra, procura as coisas mais peculiares, as obras mais recentes e impactantes, faz interpretações mirabolantes sobre formas e cores, gosta do choque, do impacto, da sensação de inquietude.

E isso explica que nunca estejam satisfeitos, que suas mentes nunca estejam serenas, que nunca se sintam realmente bem porque apenas buscam sensação sensação sensação, quanto mais melhor, por pior que seja, que estão em busca do novo, da aventura pelo êxtase de se aventurar. Há gente que analisa cada detalhe, que fala da técnica, da perspectiva, das ideias do artista, que compara as cores e os traços e as escolas e vê as obras como diagramas bem detalhados da composição de suas formas – mas que nada sente, bom ou mal. E isso explica que percorram a vida com certa distância fria, com um conhecimento inaplicável, com um intelecto apurado, mas que ao fim do dia seu coração contínua sendo um mistério. Há gente que para e contempla. Gente que sente tudo, que entra na obra, que encontra essa e outra forma, que se emociona, que vê as nuvens se mexendo e ouve a canção, que é arrebatado, sorri de algo, trás bem para perto de si aquele quadro e deixa que suas imagens penetrem, busquem em lugares recônditos ideias complementares, ou sejam buscadas até que uma estrelinha nasça em sua mente, e então dão algo de presente, seja algo objetivo ou algo mais como falei no início – uma certa harmonia interior. E isso explica que vivam com os olhos bem abertos, com o coração bem aberto, e navegando em um navio com um firme mastro, firme o suficiente que águas de qualquer profundidade são alcançáveis. E sei que há também gente que depois de toda essa viagem, coça as mãos. Sejam artistas que vejam algo belo e queiram fazer algo belo também, sejam artistas da vida que queiram viver algo belo também. Aí não só viaja, mas é puxado, se deixa ser erguido, e o navio ganha asas e isso explica que enquanto caminhamos, eles estejam voando.

Espero um dia aprender a voar também. Por enquanto, paro e contemplo, e recolho as pérolas nas conchas das molduras. E trago de volta esses tesouros para a terra, para nossa pequena ilha, para nossa Polis.

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