Revista Polis

O que nos entra através dos olhos?

A mais bela de todas as coisas é a luz divina, a luz do Sol.

Pois não apenas é bela em si mesma como confere beleza à

todas as coisas. Para os ouvidos, a luz do Sol é a música

Certa vez, enquanto refletia sobre as coisas que o mundo ao nosso redor nos incute através do que vemos e ouvimos, cheguei à conclusão acima; afinal, os sentidos são como antenas: receptores que captam tudo o que existe ao nosso redor e permitem que nos relacionemos com o mundo como um outro ser vivo, ainda que muitas vezes não nos damos conta do quão grandioso é tudo isso.

Podemos pensar que nada nos entra pelos olhos e ouvidos, mas sim pelos outros sentidos, no entanto, para aqueles, devemos perceber que essa entrada funciona de maneira diferente e tem um efeito diferente. Para começar, eles estão mais diretamente relacionados com a memória, isto é, ainda que provemos, farejemos ou toquemos as coisas e essas entrem diretamente em contato com o nosso corpo, condensamos essas impressões todas com uma palavra que as unifica. Áspero ou liso, azedo ou doce, fedorento ou perfumado, todas essas palavras condensam uma série de sensações e tudo isso é rememorado quando vemos o objeto ou o ser causador delas.

Tirando a visão e a audição, tudo o que é captado pelos nossos sentidos irá interferir diretamente em nossa saúde física, enquanto aquilo que vemos e ouvimos vão para um outro plano, mais sutil e com consequências menos diretas, porém, mais duradouras quando colocadas numa perspectiva mais ampla. A nossa memória está diretamente ligada à alma e é na alma humana que encontraremos o elemento mais rico e mais complexo do ser humano. Mas nos restringindo ao estritamente físico, hoje já sabemos que essas coisas nos impactam de alguma maneira, então, embora não fiquemos doentes de maneira imediata, já se sabe que a disposição dos elementos num ambiente ou a arquitetura de um local impacta diretamente em nós, certamente por um efeito psicossomático; também, a música que soa no ar interfere na qualidade do congelamento da água, isso porque a música possui vibrações e essas afetam a água. Ora, o corpo humano é composto por mais de dois terços de água, logo isso também afeta nossos humores e maneira como assimilamos certas sensações.

Isso quer dizer que o que vemos e ouvimos nos afeta de alguma maneira. Quando entramos numa sala de aula e percebemos as carteiras dispostas de maneira caótica, isso nos passa uma mensagem: desordem. Essa desordem é comunicada não de maneira explícita, mas simbólica e pelo mesmo motivo, arrumamos muito bem a casa quando vem alguma visita de um amigo querido, porque queremos comunicar o quanto ele é importante e nos faz bem recebê-lo em nossas casas, e queremos comunicar isso não verbalmente, mas através de nossos atos; as nossas ações falam mais forte do que nossas palavras, na verdade, as ações demonstram aquilo que as palavras representam, de maneira mais concreta, pois apenas fazemos aquilo que acreditamos.

A imagem então, transmite-nos essa desordem, a desordem entra através de nossos olhos, primeiramente, gostemos disso ou não, é um fato; se queremos passar segurança a alguém, ela também precisa ser visível. Da mesma maneira, na música, que é a expressão máxima da ordem, pois não se organiza no espaço, mas no tempo, o que quer dizer que tem uma consequência lógica, um encadeamento, ainda que existam técnicas que alterem um pouco essa necessidade, necessitamos de tempo para ouvir qualquer música e perceber a sua coerência interna, a sua estrutura, quase como precisamos desse tempo para conviver e perceber essas mesmas coisas noutro ser humano. A música então, em sua mais alta expressão e qualificação, é como um ser vivo que vem de uma esfera superior, nos contando histórias, fatos, aforismas de um mundo mais além, mais radiante, mais sublime. E a sua ordem nos transmite em forma de harmonia, equilibra os elementos do corpo com o da mente, estimula a imaginação, ajusta o fluxo sanguíneo e os pulsos corporais. Não por outro motivo, Apolo, o custodiador das Musas, era também o senhor da medicina e transmitia Harmonia; não do que vulgarmente se entende como harmonia que nos remete à coisas fofinhas e dóceis, mas de Harmonia como uma força, uma coluna vertebral que mantém coesa a mente e o coração, o corpo com a alma, uma virtude poderosa que nos outorga saúde de maneira integral.

Em tempos em que a Saúde mental tomou conta das conversas em redes sociais, é importante dizer que a saúde da alma é algo mais importante e superior, mais necessária de ser cuidada, e afirmo isso porque a alma, ou psiquê, é um elemento que está sempre buscando a unidade no ser humano. Mente, emoções, sensações e aspirações superiores, tudo isso encontra lugar na psiquê do ser humano, que busca integrar os dois mundos incessantemente: o mundo material e o mundo espiritual. Podemos negar isso, dizer que não acreditamos na realidade do espírito humano, que isso foi uma muleta civilizacional, mas que hoje temos acesso a mais informações e ciência e portanto o espírito já foi superado, saímos há muito tempo de uma época mitopoética e ingressamos na civilização positiva, mas, de fato, isso não nos fará mais felizes e nem mais capacitados de resolver os nossos problemas.

O homem positivo, ou positivista pode muito bem separar as coisas, isto é, criar divisões, tem em si uma alma toda fragmentada, pois é um “homem pragmático|” ou um “homem de ação”. Pode passar toda a vida infeliz no seu trabalho, ainda que não dependa dele, simplesmente porque ali é reconhecido, é alguém ante aos olhos dos outros, pois, no fundo, não tem identidade própria, acreditou que deveria ser uma peça na engrenagem social e nada mais que isso, portanto dedica a sua vida a cumprir esse mandamento.

A alma humana tem uma natureza integradora, não há como mudar a natureza das coisas, cada coisa tem uma função própria, uma razão de ser e de existir. Tudo o que vemos e ouvimos tem para nós parte nesse elemento integrador. A música e as obras de arte plástica penetram em nossas almas e lá permanecem de alguma maneira, de modo que nunca vão embora e retomam à nossa consciência em algum momento, não importa o quanto de tempo que passe. Resta então nos perguntarmos: o que quero levar comigo para os meus sonhos, pensamentos e sentimentos? A decisão é sempre individual.

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