Revista Polis

O que as palavras dizem sobre nós

Quando nos aventuramos a estudar a nossa história e os elementos que faziam parte da formação dos cidadãos nas diferentes civilizações, chegamos a uma conclusão por um excesso de evidências: em todas as grandes civilizações e com grande quero dizer aquelas que se preocupavam com o desenvolvimento do Ser Humano de uma maneira integral, sua alma e o seu sentido de vida, era priorizada o ensino e a transmissão da poesia. Os livros sagrados, os preceitos, os mitos, os códigos de conduta, todos eles eram pensados de maneira poética e transmitido de maneira oral, de boca que fala para um ouvido que escuta.

Esse processo reunia pessoas de todos os níveis daquelas sociedades em torno de uma ideia em comum, em torno de uma compreensão do mundo e de si mesmos mais profunda e em níveis que hoje não compreendemos muito bem, pois somos pessoas “sérias e práticas” e não temos tempo para essas coisas que nos contam historinhas legais sobre coisas que não existem diante dos nossos olhos.

Ironicamente, justamente essas civilizações foram as que melhor compreenderam o sentido prático da ação e do dever e a capacidade de organização em larga escala, para milhares e até milhões de pessoas. Peguemos o exemplo mais próximo de nós, o império romano: cidades gigantes, organizadas, padronizadas e seguindo todas um mesmo modelo. Numa primeira olhadela, superficial, vamos dizer que eles são formados para serem pessoas práticas e sérias, porém, ao examinarmos mais profundamente, vamos perceber que toda a formação de um romano está em torno de uma mitologia riquíssima, a grandeza poética e simbólica da sua educação e da organização do seu dia a dia precedia qualquer elemento que chamamos prático e, justamente por isso, eram capazes de tamanha organização, grandeza e diligência.

Podemos refletir mais profundamente sobre isso noutra oportunidade, mas, no momento, quero focar no poder dessa formação desse ser humano que aprende a se relacionar com as coisas invisíveis através da transmissão dessas histórias que hoje são destinadas apenas ao público infantil. Aristóteles nos fala da poética que, entre outras coisas, é uma arte destinada a fazer aquilo que nós chamamos de poesia, ou textos poéticos e por extensão tratamos também do teatro, da música e da literatura como um todo. Na verdade, todo esse universo artístico não se separava, de modo que a arte, de uma maneira geral, estava sempre considerada de forma una, integral, sem tantas especializações como fazemos hoje, onde uma pessoa que saiba tocar um instrumento aprende apenas a tocar esse instrumento, saber criar coisas nele já é demais… e talvez por isso mesmo hoje já não temos mais gênios como Bach, Leonardo da Vinci, Shakespeare. Seres que demonstram pelas suas obras e pelo pouco que sabemos de suas vidas, terem uma formação integral e se aprofundarem em todos os ramos dos saberes humanos.

Mas retomando o campo da poética, Aristóteles nos fala como sendo o gênero textual que trata daquilo que é possível, ou seja, das coisas como elas poderiam ser e, mais ainda, como elas deveriam ser. Como assim? Como deveriam ser? Quando um grego assistia a uma peça de teatro ele não assistia crendo que aquilo era factual, mas sim observando modelos, exemplos, formas de agir, pensar e viver excepcionais, para que ele possa querer ser como aqueles seres que estavam retratados naquelas histórias. “Se isto é possível, quero ser como eles, irei imitar os gestos, as palavras, a vida e o pensamento, para que eu possa atingir esse nível de excelência”, talvez fosse dessa maneira que aquele seres humanos voltados às estrelas e às poesias pensassem e por isso mesmo nos legaram praticamente todas as bases da formação da nossa civilização como a Filosofia, a Arte, a Matemática, a mitologia, apenas para citar algumas.

Então hoje, quando olhamos para essas histórias que não parecem mui verossímeis e damos um veredicto superficial, sem mergulhar em seu conteúdo dizendo: “isso é coisa de criança”, não indica nada mais do que uma certa limitação da imaginação e, por consequência, da inteligência, o que por si só nos dá um alerta: talvez essas histórias não sejam coisas de criança e sim, que nós ainda não deixamos de ser infantis.

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