Revista Polis

O Construtor de Pontes

O Construtor de Pontes


Um velho senhor indo por uma solitária estrada,

Encontrou, no entardecer frio de cor acinzentada,

Um riacho vasto, profundo e de ampla margem,

Através do qual passava uma intratável correnteza

O velho senhor atravessou sob a penumbra,

O riacho carrancudo com ele não se assustava;

Mas ele se virou ,quando seguro do outro lado,

E construiu uma ponte de uma a outra beirada.


Velho senhor,” disse um viajante que passava,

“Está desperdiçando sua energia construindo aqui,

Com o fim do dia está o fim da sua jornada,

Você nunca mais passará por essa estrada;

Você cruzou o riacho, profundo e vasto,

Por que construir essa ponte na correnteza baixa?”


O construtor levantou sua velha cabeça cinza;

“Bom amigo, no caminho por onde eu vim,” ele disse,

“Seguia hoje em meu encalço na estrada

Um jovem cujos pés devem passar por aqui.

Esse riacho que foi como nada para mim

Para esse de cabeça jovem, será uma cilada;

Ele, também, deverá cruzar sob a penumbra;

Bom amigo, é para ele que devo a ponte construir!”


Will Allen Dromgoole

(tradução livre de Elias V. Rodrigues, escritor da Polis)


Vou começar com uma frase muito dita: a única certeza que temos na vida, é a morte. Sem entrar em detalhes sobre o que é a morte, e sobre se é ou não a única certeza de que temos, sabemos inevitavelmente que ela chega. Sabemos inevitavelmente que em algum momento, a luzinha que mantinha nosso corpo acesso e em funcionamento vai apagar, e que seja lá qual fim leve nossa consciência, certamente não será mais aqui sob essa pele, nessas circunstâncias, nessa mente, nessa vida. Segurem essa ideia. Vamos voltar a ela.

Outro ponto é o fato de que se fôssemos começar tudo do zero, a vida seria infinitamente mais difícil. Imaginem, ao nascer, ninguém te apresentar uma língua, e você do zero ter que inventar uma. Do zero inventar todo um sistema de escrita, fonética, e do zero todas as pessoas ao seu redor terem que aprender isso. Ou do zero ter que descobrir como costurar, ou quais alimentos podemos ou não comer, ou do zero ter que descobrir que se a gente não escovar os dentes eles vão apodrecer e cair. Do zero e sem nenhuma referência, construir uma casa.

Raras vezes pensamos no quanto a completude das nossas vidas hoje depende de milhares de ano de trabalho humano. Eu aposto que ninguém que está lendo esse artigo saiba montar um computador do zero. E mesmo que saibam montar as peças, estou seguro de que não sabe minerar os metais necessários, diferenciá-los, tratá-los, e convertê-los nessas peças. Em algum momento, alguém fez do zero, e a única razão pela qual conseguimos avançar a qualquer lugar é que a pessoa seguinte não fez do zero, mas de onde parou a anterior.

Enquanto a jornada do velho senhor terminou depois da ponte, o jovem que seguia, sem ter que se preocupar com enfrentar o riacho, certamente conseguirá percorrer um trecho mais da estrada. A própria estrada por alguém foi traçada.

Talvez a coisa mais nobre que possamos fazer em vida seja construir uma ponte. Porque, retomando agora, nós vamos morrer, mas a vida humana continua. E o que fizemos aqui pode servir para que alguém faça um pouco mais. A busca por um sentido na vida não precisa ser grande e complexa – ela pode ser, se isso te interessar. Ela só requer que olhemos um pouco ao nosso redor. Porque é difícil ou quase impossível encontrar sentido em nossas vidas mesmas. Qualquer felicidade ou prazer que almejamos em algum momento vai se mostrar obsoleto, vazio, porque é incontínuo. Mas se escolhemos como sentido deixar para trás o máximo de pontes que podemos, damos significado a nossas ações, damos significado a nossa vida, e isso sim acalenta nossos corações, porque quer dizer que nossa vida não foi em vão.

Will Allen Dromgoole foi uma autora estadunidense que escreveu mais de 8.000 poemas, além de peças de teatro, publicações jornalísticas e romances.

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