Algumas vezes, o meu amigo e colega de arte, Valentin, perguntou-me como que eu faço para escrever tão rápido, sem um pretexto, sem um preparo ou uma inspiração do momento: para quem não sabe, tenho uma capacidade de solucionar lacunas poéticas, falas de roteiro e artigos para blogs de maneira bem satisfatória, e falo isso apenas porque essa capacidade já foi testada inúmeras vezes e, apesar das falhas, a quantidade de vezes em que consegui ser bem sucedido provaram a constância; e acontece assim mesmo, apenas sento diante do meu caderno ou do computador e escrevo aquilo que me pedem, que eu preciso dizer ou que a obra necessita transmitir. Mas, retornando ao assunto inicial, Valentin me perguntou: “como você faz para escrever sem estar inspirado?” e hoje decidi revelar para vocês a fonte.
A verdade sobre essa pergunta é apenas uma: é impossível escrever poesia ou bons textos sem estar inspirado, e poderíamos parar essa conversa por aqui, é isso, vão viver suas vidas e inspirar-se para poder escrever, porque, se estando inspirados os textos que nos vem à mente já são bem aquém do que gostaríamos, imagina se decidirmos sair escrevendo sem uma fonte de inspiração, sem um lugar de onde possamos nos fortalecer, corrigir e melhorar a nossa rota? Porque todo texto busca transmitir algo e a capacidade de transmissão depende do poder daquele que escreve, das ferramentas que domina, do seu nível de domínio da linguagem que, na verdade, é o domínio prático e concreto do pensamento. Mas a inspiração é, realmente, essa fonte, o oasis que o peregrino fatigado encontra no caminho do deserto que a sua alma atravessa buscando compreender a vida e buscar sabedoria, a água pura que permite sorver com calma e, depois, respirar profundamente, enxergando a imagem com clareza; essa imagem que podemos, e devemos, nos remeter para saber se o esboço que estamos fazendo, no caso o texto, está fiel à imagem que queremos representar.
É muito difícil que um escritor consiga perdurar em seu ofício se não consegue renovar-se, pois acaba sendo soterrado pela coisas da vida comum e fazendo com que percamos a visão profunda, verdadeira e bela que tínhamos das coisas, visão essa que está dentro das próprias coisas, mas que acabamos perdendo a capacidade de ver, olhamos para a pedra e vemos “pedra mesmo”, como diria Cora Coralina. Estar sem inspiração é perder a capacidade de olhar as coisas em seu aspecto mais alto, é perder as asas que nos permitem ser livres para alcançar o céu e contemplar as estrelas.
Vejamos, por exemplo, um garoto que acabara de conhecer uma garota, ela pode ser da sua escola, estudar em sua sala ou em uma outra turma, ou pode simplesmente ser a filha do dono da padaria a qual se dirige todos os dias para cumprir com o seu dever para com o lar de adquirir o pão de cada dia. Ele, sobre ela, nada sabe, no entanto, começa a ver toda a sua vida de um outro jeito, na verdade, a sua vida tomou uma nova dimensão, adquiriu uma nova camada, e falando sem exageros, ela nunca mais será a mesma. Ele agora começa a imaginar o que ela faz nas suas horas de lazer, quais coisas que gosta, onde está quando ele está fazendo alguma outra coisa, começa a fantasiar um futuro (que sabemos, só a Deus pertence), quem sabe um casamento, dedica à ela esforços secretos para torna-se um sujeito melhor, empenha-se para melhorar em matemática porque sabe que precisa “ser alguém na vida” e uma série de outras loucuras que só são compreensíveis por aqueles que estão apaixonados.
Sabemos como costumam terminar os primeiros amores da vida. Ainda assim, apesar dos excessos, poucas coisas são tão únicas quanto o estar apaixonado e a maneira como enxergamos o mundo nesse estado. Ainda que tudo seja muito irreal, aquele que se apaixona sempre possui energia, forças para continuar aquilo que faz e tentar de novo e de novo, porque o apaixonado possui algo que nos falta muitas vezes: esperança. Pois aquele que ama sempre possui uma esperança de se unir, ou reunir, um dia, ao ser amado e tudo aquilo que pensa e que faz é permeado por essa esperança, por esse amor que passa a atuar como um filtro em todas as coisas da vida, mudando a maneira como fazemos as coias, mundando o porquê as fazemos, dando a tudo um sentido novo, buscando novas finalidades. E se isso termina, se não possui mais essa força, esse combustível, parece que vai embora uma parte dele também, e vai mesmo, porque o que pode ser mais forte, mais resistente e perdurável do que a esperança? Quando ela se vai, precisamos buscar renová-la, cultivá-la novamente, renascer das cinzas como fênix.
O poeta, assim como o apaixonado, está permeado de esperança, e através de seus olhos podemos ver o mundo em uma outra cor, em uma nova perspectiva, mais alta e mais bela; narra o que percebe, compreende ou busca compreender e através disso nos conta o nascer e o morrer daquilo que acontece na vida de todos, em alguma medida, ajudando a perceber coisas que não perbemos, em geral, uma vez que estamos muito presos no que ganhamos e no que perdemos, em nossas dores e em nossos prazeres. O poeta narra as coisas com esperança, pois em seus olhos conseegue enxergar, ainda que por breves instantes, o que há de mais profundo e mais real em cada coisa, que também é aquilo que há de mais belo; se um poeta perde a esperança perde, dentro de si, o poder de fazer poesia, ainda que consiga manter a boa técnica em seus versos, porque toda poesia verdadeira, por mais dolorosa e constricta que seja, sempre mantém uma porta aberta, entreaberta, onde podemos vislumbrar a luz do novo amanhecer que chega no horizonte, ainda que não o vejamos por estarmos enclausurados em uma caixa de pensamentos pertubadores e destrutivos.
Assim, por mais que eu mantenha uma postura sempre alheia e taciturna às coisas que presencio, por mais que, muitas vezes, pareço não dar tanta atenção ao mundo que me rodeia, ainda assim posso afirmar que, apesar de tudo, nunca perco a esperança e essa tem sido a fonte. Assim, me levanto, confiante, a cada novo amanhecer.