Revista Polis

As janelas da alma (ou portais para outros universos?)

Para mim, o que existe de mais atraente, é o contato olho a olho. Quando estamos entre amigos, em um almoço ou em alguma confraternização, compartilhando nossos, pensamentos, sentimentos, e como vemos o mundo, as coisas que nos tocam, os elementos que mais valorizamos, sentimo-nos muito à vontade, pois estamos entre aqueles que nos querem bem e sabemos que as coisas que serão ditam serão muito bem compreendidas, ainda que tenhamos de nos explicar melhor por não termos o traquejo de manejar nossas visões interiores ou simplesmente porquê aquilo que transmitimos não faz parte da experiência vivida pelo outro. Mas, há um ponto onde não há mais essa distinção, não há eu e o outro, não barreiras… Esse ponto é, justamente, quando os olhares se cruzam e se mantêm.

Platão nos diz na república, que os olhos são as partes mais nobres do corpo, pois através dos olhos somos capazes de ver a alma daquele com quem nos comunicamos. Conhecemos o dizer popular “os olhos são as janelas da alma”, talvez esse ditado possa ter chegado até nós por essa simples frase do filósofo, mas Platão foi um poeta desde o berço e, talvez, justamente por isso, sabia carregar as palavras de significado e profundidade, ainda que carregadas também de enigmas. Também nos fala que, nas estátuas, a representação dos olhos deveriam ser feitas com as cores mais nobres e mais difíceis de se conseguir, como a cor púrpura que era tida como uma representação de alguém de profundos saberes ou das coisas que possuíam grande valor. Mas qual a diferença de estarmos entre amigos e esse momento fugaz e especial que é olhar nos olhos?

Quando conversamos em uma mesa, por exemplo, tem os assuntos que, como se diz popularmente, colocamos na mesa, são os assuntos do momento, sejam eles trazidos nós mesmos ou pelo outro. É o assunto público do momento, é o assunto que será compartilhado e de certa maneira não tem uma especificidade, e uma vez que o transformamos em um objeto, ele faz parte agora de um mundo muito denso e concreto, todos têm acesso. Mas quando um olhar encara um outro olhar com profundidade e se detém nesse ponto de intersecção, é como se, por alguns segundos infinitos, estivéssemos compartilhando tudo aquilo que se passa em nossos corações, aquele que me olha de alguma maneira sabe o que eu sinto, o que eu penso de maneira profunda mas não consigo dizer, aquilo que eu gostaria de buscar mas por algo maior eu não o faço, as minhas dores, minhas conquistas, meus medos e o os meus amores… E, quando um ente enamorado encara aquele que é o ser amado, logo lhe enrubesce a face, de vergonha, de timidez, pois sabe que não consegue esconder o carinho que deposita ao ser amado, se este ultrapassa a barreira de seus olhos. Com a boca falamos sobre aquilo que o coração está cheio, que transborda, geralmente aquilo que nos dói e pesa; com os olhos falamos sem nada dizer, e falamos daquilo que nós escondemos, daquelas coisas que são preservadas na raiz do coração e não encontram espaço nas demandas corriqueiras do cotidiano.

No olhar do outro mora um outro mundo, um outro universo, que não consigo ter pleno acesso, a não ser nesses momentos em que eu não sou mais eu e o outro não é mais o outro, nos fundimos numa mesma coisa e já não há barreiras, já não há segredos, já não há motivos escondidos, sabem-se quais são todos os nossos motivos e talvez até tenhamos os mesmos objetivos nesse instante em que somos uma e mesma coisa. E no universo do outro há respostas que não temos, experiências por nós nunca vividas, virtudes esquecidas, mas que nesses olhos jorram e as têm em abundância e a relação é sempre recíproca, pois sempre temos algo de bom para transmitir ainda que não saibamos as palavras exatas.

Nesses momentos, nossa consciência evade da mesa e salta para esse ponto de intersecção onde um mundo pode tomar contato com outro mundo, um universo com outro universo, um coração com outro coração. Pois com a boca falamos o que vai à cabeça, com o olhar transmitimos o que leva o coração.

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