Revista Polis

02 | Sou um viajante

Caro Náufrago,

Não posso dizer que estranhei quando encontrei sua mensagem perdida numa garrafa à beira-mar, porque em minhas andanças pelo mundo foram muitas as estranhezas com as quais me deparei, e agora apesar de que muito me impressionam, pouco me surpreendem certas particularidades. Porém, tenho uma questão, mais por curiosidade antropológica que por dúvida pessoal: por que escolheu esse meio para comunicar-se? E por que se comunicar?

Devo apresentar-me. Sou um viajante. Eu também abandonei meu nome na soleira de casa, junto com as pesadas cargas que de tão amontoadas em minhas costas, me faziam curvar e olhar o chão ao invés do caminho a frente. Fiz do mundo minha pátria! E coleciono sonhos e ideias, coisas que, de tão leves, carregam a si mesmas.

Vi de perto essas afundadas cidades das quais fala, e sim, encontrei nelas todos esses males, mas sou um investigador! Meu trabalho é buscar fundo até encontrar algo valoroso, e que mais valoroso há do que o ser humano? E apesar de estarem em massas que pouco a pouco estão destruindo a si mesmas, eles são sua própria salvação. Sim, as cidades caem, como caiu seu navio, mas os corações humanos seguem vibrando por nobre ideais, por grandes sonhos, e principalmente, uns pelos outros, como vibra também o seu, meu caro, ao colocar os primeiros telhados da cidade que busca construir.

Me alegra que mantenha as portas abertas a quem queira se juntar, e espero que pisem em sua ilha os mais variados povos a formar um povo só – porque a riqueza dos homens está em sua diversidade, e no poder de união que essa multiplicidade tem. De minha parte, ainda não estou pronto para definir um destino final. Estou deixando agora o povoado costeiro onde encontrei sua mensagem e embarcando numa caravana até uma grande capital. Espero que chegue até você minha resposta, e que possamos seguir nos correspondendo! Como alguém que está colocando tijolos na estrada, me interessa muito saber sobre os tijolos de sua casa.

Que os ventos carreguem essa mensagem, e que ela lhe encontre em bom ânimo e saúde!

O Viajante

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