Caro Viajante,
Tendo a concordar contigo e afirmo que sim, nós humanos, somos os seres que vivenciam os pontos médios da vida. Vivemos o dia e a noite com a possibilidade de que eles tenham para nós o mesmo peso, a mesma medida, pois o que não há na noite há no dia e vice-verça; ouso afirmar também que a tradição está conosco nesse ponto e diz que o ser humano equilibra os dois mundos, é o ponto médio entre dois excessos ou “o homem é composto de um e de outro”. Isso tudo eu devo ter ouvido dos meus antigos mestres que deixaram para mim toda a sabedoria que pude adquirir e transformaram a minha vida de algo vazio e sem sentido para uma caminhada plena de luz e direcionamento… Mas nenhum deles encontra-se aqui nesse plano de existência para sanar minhas dúvidas frente a essa nova empreitada da minha vida e me vejo agora conduzindo pessoas e tendo dúvidas sobre as suas dificuldades pessoais.
Muitos deles me diriam que o equilíbrio está no movimento e que não adianta ficarmos todo o dia pensando naquilo que devemo fazer ou como chegar a melhor resolução das questões que nos afligem: é necessário agir e agir com convicção, ainda que após isso percebamos que estávamos errados, pelo vamos ter aprendido algo, pelo menos a luz terá retirado um pedaço de treva que estava alojado em nossa alma, tal é o poder de comprovar que o mundo da ação e o mundo do pensamento tem entre eles uma grande conexão; vamos compreendendo cada vez mais coisas sem termos a necessidade de passar ou de viver elas, pois além da nossa vivência, comparece para nos ajudar o aporte da tradição, onde enfim, as nossas leituras, nossos estudos, nossas dúvidas são respondidas todas. A tradição se deposita em nossa memória e começa a fazer parte de nossos pensamentos, nossas emoções, nossas palavras e atos.
Mas sem querer tornar essa carta demasiadamente erudita ou enfadonha, gostaria de contar-te, meu amigo, que as coisas por aqui começam a crescer, lentamente, porém inexoravelmente. Tu bem sabes o meu apreço a todas as coisas que são feitas de rocha sólida, desse material que desafia a própria lei do tempo… Começamos a construir o nosso museu, para que todos possam contemplar a maravilha que significa ser humano, temos pronto o nosso celeiro (este de madeira), as casas e a nossa biblioteca, além de outras minúcias administrativas. O moinho já se move conforme a força do vento e o seu movimento abastece-nos com o alimento que precisamos, além de que o seu movimento e a beleza de suas hélices dão a nossa pólis um charme especial.
Lembro de ti quando observo atentamente o moinho, meu amigo… Ele, em seu movimento, é capaz de gerar para nós uma série de benesses ao triturar o grão e transformá-lo em pó. Tu, em teu movimento, és capaz de passar entre as pessoas buscando dá-las um pouco de alívio, um pouco de alegria, certamente em teu movimento aprendeste a superar a dor na dança da vida e a ajudar aos demais a fazer o mesmo. Mas, se puderes aceitar um conselho eu te daria este: as vezes o caminho que buscamos já foi trilhado por outra pessoa e a nossa jornada não se trata de olhar para a floresta que precisa ser desbravada a nossa frente, mas sim de darmos meia-volta e olhamos a estrada que já está pavimentada atrás de nós, mas que em nossas lutas diárias, acabamos por não conseguir ver, pois estamos sempre procurando aquilo que está mais a frente. No mais, caro amigo, continue em teu movimento, pois o equilíbrio está no movimento, mas saiba que não caminhas só, pois todo ser humano que já existiu e que existirá, de alguma mágica maneira, está em seus passos a te acompanhar.
Cuide dos teus pés, caro amigo
O Náufrago
PS: O teu corvo que viera trazer a tua mensagem estava com uma coloração um tanto azulada. Acho que a comida apimentada do oriente não o tem feito muito bem.