Caro amigo náufrago,
Sim, minha breve porém enriquecedora visita à nossa Polis foi esclarecedora para aquelas questões que eu havia proposto. Agradeço pela hospitalidade e inspiração, e segui meu caminho com os pés um pouco mais firmes tendo reunido aí estruturas para fortalecer minha estrada.
Sobre sua resposta do porquê escrever cartas, como te disse, foi para saciar minha curiosidade, porque em realidade eu também sou um escritor de cartas e compartilho dos seus motivos para escrevê-las. Já refleti muito sobre os motivos pelos quais as cartas, mais do que um bilhete, mais do que uma conversa cara a cara, possuem essa força, essa sensação de aproximação maior e de, da parte de quem escreve, abertura maior. Não posso dizer que cheguei a alguma conclusão definitiva, mas suspeito que tenha algo que ver com a dedicação que colocamos no processo, o tempo e esforço requerido, a própria magia secreta das palavras e também o ato de materializar essas ideias em algo físico, concreto, uma espécie de ato criador ou arte.
Como bem intitulou sua última mensagem, “elos na bigorna do eterno” são o que forjam as cartas, porque exigem que escrevemos com o coração, justo o lugar onde está o fogo capaz de fundir qualquer metal.
Mas no meu coração, caro amigo, não pesam essas memórias do meu passado – como te disse, as levo como plumas – mas sim o que me angustia é o futuro, e o medo de que eu não esteja à altura de mim mesmo ou do que de mim a vida demandar. E encontro o meu descanso observando a vida, como você bem colocou, as coisas simples, mas também as complexas, e como todas as coisas seguem o seu destino e se tornam aquilo que devem ser. Repouso, então, no ponto de esforço que fazem as coisas para tornarem-se, nessa fibra de vida que não deixa a vida cessar, nesse lugar em que ninguém pode estar realmente sozinho porque tudo que há caminha aí também. No momento em que o Sol rompe com a escuridão da noite, nos ciclos das pequenas plantas em minha janela, nas dores e alegrias dos corações humanos, nas danças das nuvens e na constância das estrelas.
Sei que há muitas pessoas que viajam porque fogem, porque querem tomar o caminho mais fácil em direção a si mesmas. Mas não estou fugindo, meu amigo. Estou em uma viagem pedagógica, com fins educativos – estou educando a mim mesmo para que eu me torne aquilo que almejo, e estou elegendo meus caminhos pensando naquilo que devo desenvolver. Estou seguindo passos em uma trilha há muito já viajada, e sei que em algum momento esse trilha me levará ao lugar de onde parti, mas enquanto esse dia não chega o que posso fazer é trilha-la, seguir as pistas. Viajo porque busco, e não me basta buscar em solos novos e rasos – quero escavar as mais antigas montanhas, e chegar nas mais profundas fontes. E para isso, há que caminhar.
Você me perguntou porque viajo, e agora te pergunto: por que escolheu começar sua cidade aí, numa ilha longe de tudo e de todos? E porque fazê-lo só? Por que colocar entre si e o mundo tamanha distância?
Com os melhores votos,
O Viajante